O mais famoso café de Viena, o
Café Central, situado no rés-do-chão do palácio Ferstel, na Herrengasse, foi fundado em 1876, encerrado em 1943 e reaberto, novamente, em 1982-1986. O Central foi o local preferido dos artistas, escritores e políticos entre o encerramento do Café Griensteidl, em 1897, e a abertura do Café Herrenhof, em 1918. Parece que, nas andanças dos seus 130 anos, perdeu bastante do sofisticado ambiente de
café literário, para se tornar, actualmente, num café-restaurante chic, procurado por turistas em busca de miragens.
Aos clientes fixos do café chama-se ainda hoje
centralistas, termo cunhado em 1926 por Alfred Polgar na sua “Teoria do Café Central”, cujo texto se oferece no primeiro post deste blog em inédita tradução portuguesa.
No princípio do século XX, Viena era uma capital de Império com uma vida cultural comparável, se não superior, à de Paris e Berlim, animada por uma pléiade de intelectuais e artistas, em boa parte de origem judaica. Os cafés vienenses, espaçosos e ostentando luxuosas decorações neo-clássicas ou neo-góticas, mais raramente
art nouveau (ou
Jugendstil), eram os principais centros de encontro desta esfuziante vida cultural. Aos jornalistas, poetas, romancistas, pintores e arquitectos famosos, por vezes acompanhados de figuras femininas, juntavam-se os médicos e os psicanalistas, bem como os políticos de várias águas, desde os social-democratas mais moderados aos revolucionários bolcheviques, passando pelos anti-semitas e os futuros nazis. É de pasmar a lista das celebridades e
beaux esprits cultores desta
vida de café na Viena
fin de siècle ou, depois, na Viena do modernismo. Os maiores carniceiros do século XX,
hélas, também por lá passaram. Sim, estou a falar de Hitler e Stalin, como mais abaixo se verá.
Eis alguns dos frequentadores mais famosos do Café Central, da sua época dourada, na viragem do século, até ao advento do nazismo:
Viktor Adler (1852-1918), co-fundador do partido social-democrata austríaco. “Social-chauvinista” durante a I Guerra Mundial, não se devia dar muito bem com Trotsky, que conheceu e ajudou em 1907. Era pai do Friedrich Adler, que lhe saíu politicamente contrário.
Friedrich Adler (1879-1960), político social-democrata e revolucionário austríaco, filho de Viktor Adler. Foi opositor da política de guerra e, em 1916, matou o primeiro ministro da Monarquia Austro-Húngara, conde Karl von Stürgkh. Safou-se com um ano de prisão, graças ao termo da guerra.
Otto Bauer (1881-1938), político social-democrata austríaco, um das figuras de proa do austro-marxismo. Depois de ter participado em governos com os sociais-cristãos, Bauer chefiará a resistência ao clerical-fascismo de Dollfuss e partirá para o exílio parisiense em 1934, ali morrendo meses depois do Anschluss.
Lev Bronstein (ou Leon Trotsky), que viveu em Viena de 1907 (fugido da Sibéria) até 1917. Era cliente fixo do Café Central, onde habitualmente jogava xadrez. Discutia ali política com os socialistas austríacos, mas tinha má opinião deles, por não serem revolucionários ou por não serem pacifistas. Em Outubro de 1917, o presidente do governo austríaco, conde Heinrich Clam-Martinic, anunciou aos seus pares a eclosão da revolução bolchevique na Rússia, acrescentando que “o seu instigador foi, ao que parece, o Sr. Bronstein do Café Central”.
Alfred Adler (1870-1937), médico, psiquiatra, psicanalista. Rompeu em 1911 com Freud, com quem em 1902 havia fundado a Sociedade Psicanalítica de Viena.
Sigmund Freud, frequentador, mas não muito assíduo, do Café Central. Não nos repugnaria imaginar sentados a uma mesa do canto o doutor Freud com a sua discípula, amiga e admiradora Lou Andreas-Salome.
Krafft-Ebbing, psiquiatra, autor do clássico
Psychopathia Sexualis.
Theodor Billroth (1829-1894), grande cirurgião alemão prussiano, catedrático da Universidade de Viena, considerado o fundador da cirurgia moderna.
Theodor Herzl (1860-1904), judeu natural de Budapest, viveu em Viena. Foi o fundador do moderno sionismo político. Sucedeu-lhe à cabeça do movimento o igualmente húngaro Max Nordau.
Peter Altenberg (1859-1919), boémio e escritor de origem judaica. Escreveu aforismos, poemas em prosa, esboços, pequenas peças, tudo reunido numa dúzia de volumes. Tem um estátua de papier-mâché no próprio Café Central, sentado a uma mesinha, perto da porta de entrada. De seu verdadeiro nome Richard Engländer, mudou de nome para se demarcar da cultura burguesa e convencional dos seus pais. Ter-se-ia convertido ao catolicismo em 1900. Foi um campeão de todos os fracos e indefesos que via tratados de forma insensível, nomeadamente crianças, serviçais e mulheres casadas. Foi também um defensor da "superioridade" dos povos considerados "primitivos" em relação aos "civilizados". Figura não convencional e extravagante, usava sandálias, vivia em hotéis, era senhor de uma gigantesca colecção de postais ilustrados (mais de 10.000) e era tido por pedófilo. Recebia o seu correio pessoal no Café Central, mas também frequentava o Café Museum e o Café Landtmann.
Adolf Loos, célebre arquitecto, cliente do Central, projectou o Café Museum e o interior do Café Hawelka.
Oscar Kokoschka, pintor expressionista, amigo de Karl Kraus, pintou retratos no Café Central.
Felix Salten (1869-1945), nascido em Budapest de família judaica, viveu desde muito jovem em Viena. Foi escritor, crítico e ensaista do círculo "Jovem Viena". Autor do livro
Bambi (1923) que, em 1942, Disney transformaria em filme de grande sucesso. É dado como o autor de um romance erótico publicado em 1906,
Josefine Mutzenbacher, que relata a vida de uma prostituta vienense. Famosa foi a sua relação de grande inimizade com Karl Kraus. Exilado na Suiça a partir de 1939, morreu em Zurique no fim da guerra.
Robert Musil (1880-1942), grande escritor modernista austríaco, autor de uma das obra-primas mundiais do séc. XX,
O Homem sem Qualidades. Foi-lhe recusado o Nobel da literatura. Viveu entre Berlim e Viena e, sob o nazismo, exilou-se na Suiça. O seu café preferido em Viena era o Museum.
Vladimir Illitch Lenin, encontrou-se repetidamente com Trotsky no Café Central.
Alfred Polgar (1873-1955), escritor austríaco de origem judaica húngaro-eslovaca, politicamente um socialista independente. Foi o autor da célebre "Teoria do Café Central". Trabalhou como jornalista, folhetinista, ensaista, crítico de teatro e escritor prolixo em Viena, Praga e Berlim. Cultivou o "pequeno escrito". Escreveu sketches para o cabaret Fledermaus (Viena) e colaborou em revistas satíricas, como o semanário
Simplicissimus (Munique). Rainer Maria Rilke, Franz Kafka, Thomas Mann e Robert Musil tinham grande apreço pelas suas qualidades de escritor. O advento do nazismo, em 1933, fê-lo regressar de Berlim a Viena, onde até 1938 trabalhou com enormes limitações. Após o Anschluss tentou exilar-se na Suiça, mas foi-lhe negada residência, pelo que passou a Paris. Em 1940 teve, novamente, que fugir aos invasores nazis, desta vez para Lisboa, onde a 4 de Outubro embarcou num navio grego para Nova Iorque, juntamente com Heinrich Mann e Franz Werfel. Nos EUA trabalhou como jornalista da imprensa exilada de língua alemã e como argumentista para os estúdios da MGM. Depois da guerra regressou à Europa, vivendo com base em Zurique até à morte.
Stefan Zweig (1881-1942), escritor austríaco de origem judaica, amigo pessoal e colega de mesa no Café Central de Alfred Polgar, o qual escreveria o argumento para o filme
The Burning Secret, tirado do romance homónimo de Zweig.
Hermann Broch (1886-1951), poeta, romancista, dramaturgo e ensaista vienense de origem judaica. Convertido ao catolicismo em jovem, regressou no fim da vida ao judaísmo. Autor de
A Morte de Virgílio e da trilogia
Sonâmbulos. Preso no dia da ocupação da Áustria pelos nazis, conseguiu exilar-se na América. No fim da II Guerra Mundial escreveu uma
Psicologia das Massas.
Ea von Allesch (1875-1953), também conhecida por Emma Rudolf. Jornalista de moda em Viena e Berlim, antiga modelo de nu. Chamavam-lhe "Rainha do Café Central". Ea casou três vezes e, entretanto, teve relações amorosas com vários frequentadores do café, como Alfred Polgar e Hermann Broch. Era amiga de Musil e de Rilke.
Milena Jesenská (1896-1944), jornalista e tradutora checa. Outra figura feminina dos cafés literários de Praga e, depois, dos de Viena. Era filha de um dentista de Praga, com quem viveu em conflito. Aos 20 anos, Milena conheceu Ernst Polak, um tradutor judeu frequentador de cafés que a apresentou ao Café Arco, de Praga, onde deambulavam Kafka (que não chegou, então, a conhecer pessoalmente), Max Brod, Franz Werfel, entre muitos outros. Depois de metida pelo pai num asilo psiquiátrico durante oito meses, Milena fugiu, casou com Polak e foi com ele viver para Viena. Ali começou uma hesitante carreira de jornalista de moda. O marido era-lhe infiel e Milena meteu-se nas drogas, sobretudo cocaína. Teve um breve romance com Hermann Broch e, depois, com Franz Kafka, por correspondência. Milena apaixonou-se pelos contos de Kafka e escreveu-lhe a propor traduzi-los para checo. Dessa carta de 1919 nasceu uma correspondência que durou até 1923. Kafka e Milena encontraram-se, porém, raras vezes. O principal encontro durou apenas dias e teve lugar em Viena, em 1920. Terão aparecido juntos, ao que se diz, nos cafés literários da Herrengasse. Kafka já estava gravemente doente e Milena não se decidia a deixar Polak por um escritor tuberculoso. Após a morte de Kafka (1924), Milena passou os manuscritos que ele lhe confiara a Max Brod, que os publicou. Depois de se ter casado mais duas vezes, Milena adoeceu gravemente. Quando recuperou da doença tornou-se dependente de drogas e sexualmente promíscua. Abandonando a droga, militou no Partido Comunista, de que seria expulsa por protestar contra os processos de Moscovo de 1936. Tornou-se numa combativa militante anti-nazi, entrando para a clandestinidade após a ocupação alemã de Praga, em 1939. Em 1940 foi presa e enviada para o campo de concentração de Ravensbrück, onde morreu em 1944.
Lina Loos (1884-1950), née Obertimpfler, actriz e escritora vienense, frequentadora dos cafés vienenses e do Café Central em particular. Era originária de uma família bem conhecida de Viena, proprietária do Café 'Casa Piccola' no bairro central de Mariahilf. Depois de estudar representação, tornou-se uma actriz e cantora de cabaret de sucesso em Berlim (Unter den Linden), Munique (Elf Scharfichter) e Viena (Nachtlicht, Fledermaus). Depois de se divorciar do arquitecto Adolf Loos, com quem esteve casada entre 1902 e 1905, tentou a sua sorte como actriz nos EUA, onde triunfou. Regressou à Europa antes do começo da Grande Guerra. Rudolf Beer, director do Raimundtheater de Viena contratou-a em 1922. Sob a sua direcção, Lina actuou ainda no Deutsche Volkstheater de 1924 até 1938, quando se retirou do palco. Lina, que também trabalhou como escritora, era tida na sua juventude por uma das mais belas mulheres de Viena. Esteve sempre em foco na vida cultural e intelectual da cidade. Ao seu círculo de amigos pertenciam celebridades como Peter Altenberg, Egon Friedell, Franz Theodor Csokor (poeta, dramaturgo e romancista, 1885-1969), Franz Werfel, G. Kaiser, Bertha Zuckerkandl and G. Wiesenthal.
Alma Mahler-Werfel (1879-1964) compositora e pintora vienense, conhecida pela sua beleza e inteligência. Alma Schindler teve como primeiros amores o pintor Gustav Klimt e o compositor Alexander von Zemlinsky. Foi casada sucessivamente com Gustav Mahler (1902), Walter Gropius (1911) e Franz Werfel (1929). Mahler impediu-a de seguir uma carreira artística. Teve uma célebre relação amorosa com o pintor Oskar Kokoschka, que a representou juntamente consigo em vários quadros célebres (por exemplo, "Noiva do Vento"). Com o marido judeu Franz Werfel teve de fugir aos nazis da Áustria, em 1938, e de França, em 1940, conseguindo chegar aos Estados Unidos via Lisboa em Outubro de 1940.
Vicki Baum (1888-1960), popular romancista vienense de origem judaica, autora de dúzias de best-sellers, dezassete dos quais adaptados ao cinema desde o princípio dos anos 30 por Hollywood. Até aos 28 anos foi música (harpista) profissional, escrevendo nas horas vagas. O primeiro marido, um jornalista, introduziu-a na vida literária de Viena. O segundo foi o maestro Richard Lert. Trocou depois Viena por Berlim e na década seguinte instalou-se na América, depois de o filme "Grande Hotel", adaptado de uma obra sua, ter ganho o Óscar para o melhor filme (1932). A Alemanha nazi proibiu as suas obras e Vicki naturalizou-se americana em 1938. Nos anos 40 tornou-se numa escritora de língua inglesa, escrevendo romances, contos, dramas e argumentos para filmes.
Egon Schiele, pintor expressionista. Parece que este ia mais ao Café Museum.
Anton Kuh (1890-1941) poeta e jornalista judeu austríaco. Kuh (palavra que significa vaca em alemão) «fut un dandy, un brillant orateur et un écrivain satirique du gabarit de Karl Kraus, qu'il connaissait bien. Il est l'incarnation de l'intellectuel oisif, familier des cafés de Vienne et de Prague. Il observait les autres courir après l'argent, le travail et la gloire». Artista do curto bilhete, deixou centenas de pequenos textos que compõem “um retrato decapante da sua época e da ascensão do fascismo na Áustria». Fugiu de Viena horas antes da chegada das tropas nazis à sua cidade natal, em 1938, e apanhou o último combóio para Praga. Morreu no exílio na América.
Café de l'Europe é uma recolha dos seus famosos bilhetes, que a Calmann-Lévy publicou em tradução francesa em 2003.
Leo Perutz (1882-1957), romancista austríaco natural de Praga, viveu em Viena até ao Anschluss, fugindo então para a Palestina. Autor de onze romances, elogiados por Jorge Luis Borges, Graham Greene e Italo Calvino.
Arthur Schnitzler, dramaturgo, crítico, romancista e contista de origem judaica. Uma parte considerável da sua juventude foi passada no Café Griensteidl e, depois, no Café Central. Na autobiografia intitulada
Juventude em Viena, Schnitzler fala duma tal Theresa, "a muito cobiçada empregada do café que eu frequentava, onde jogava bilhar de manhã, cartas à tarde e bilhar e cartas à noite." Estudou Medicina e Psiquiatria, tornando-se amigo pessoal de Freud. Trocando, depois a clínica pela escrita, Schnitzler passou a ser considerado "o Freud da literatura". As suas peças e romances causavam escândalo e reações violentas dos militaristas e anti-semitas. As suas obras foram utilizadas para mais de 50 filmes e, em 1999, Kubrik adaptou um seu romance no filme
Eyes Wide Shut.Gustav Klimt (1862-1918), pintor, figura de proa da Secessão de Viena. Parece que ia mais ao Café Museum.
Hugo von Hofmannsthal, dramaturgo e poeta.
Hermann Bahr, escritor, dramaturgo e crítico, o primeiro a aplicar o termo modernismo a uma corrente literária. Observador pioneiro e definidor, também, do expressionismo. Célebre pelas suas críticas de Gustav Klimt. Católico de origem, depois descrente, depois novamente católico.
Max Brod (1884-1968) escritor e jornalista, judeu alemão natural de Praga, amigo íntimo, executor testamentário e editor de Kafka. Viveu os últimos 30 anos em Tel Aviv.
Franz Kafka (1883-1924) escritor judeu de língua alemã nascido em Praga.
Franz Werfel, escritor, poeta e dramaturgo, nascido em Praga. Judeu de língua alemã convertido ao cristianismo. Fugiu para a América via França, Espanha e Portugal. Admirador de Lourdes, sobre a qual publicou na Califórnia
The Song of Bernadette, 1942.
Karl Kraus (1874-1936) dramaturgo, poeta, ensaista, jornalista de origem judaica, natural da Boémia, Monarquia Austro-Húngara. Foi fundador e director da revista crítica e satírica
Die Fackel (O Facho), de que saíram 922 números entre 1899 e 1936. Até 1911,
Die Fackel publicou textos de Peter Altenberg, Richard Dehmel, Egon Friedell, Oskar Kokoschka, Else Lasker-Schüler, Adolf Loos, Heinrich Mann, Arnold Schönberg, August Strindberg, Georg Trakl, Frank Wedekind, Franz Werfel, Houston Stewart Chamberlain and Oscar Wilde. A partir de 1911, a revista foi escrita quase só por Kraus. Aos 22 anos abandonou definitivamente os estudos universitários em Viena (primeiro Direito, depois Filosofia e Literatura Alemã). Frequentou as tertúlias do Café Griensteidl e do Café Central. Foi membro da Jung Wien, mas separou-se do grupo em 1897, com a publicação da obra
Die demolierte Litteratur (Literatura Demolida). Detractor de Hermann Bahr e Felix Salten. Cultor de uma sátira implacável, é considerado um dos seus principais expoentes em língua alemã no séc. XX. Foi autor, em 1922, da peça
Os Últimos Dias da Humanidade, uma sátira da Grande Guerra, cuja primeira versão foi de 1915. Evoluíu, politicamente, do conservadorismo monárquico para o republicanismo democrático. Foi um crítico demolidor da corrupção no Império Habsburg e do nacionalismo pan-germânico. Atacou a psicanálise, também, embora respeitasse Freud. Karl Kraus converteu-se ao catolicismo (1899), mas abandonou-o em 1923. Troçou de Theodor Herzl e do sionismo (
Uma coroa para Sião, 1898), advogando a assimilação dos judeus, pelo que foi apodado de "judeu anti-semita".
Egon Friedell (1878-1938) doutor em filosofia, historiador, jornalista, crítico de teatro, actor de cabaret, director artístico do cabaret Fledermaus (Morcego), aberto em Viena em 1907. Foi pioneiro do modernismo austríaco, tal como os seus amigos Kraus, Kokoschka e Altenberg. Entre os amigos de Friedell estavam quase todos os outros grandes autores da época: Franz Werfel, Hermann Broch, Robert Musil, Rainer Maria Rilke, Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannsthal. Escreveu uma
História Cultural da Idade Moderna em três volumes e começou uma
História Cultural da Antiguidade. Friedell era de origem judaica e converteu-se ao luteranismo. Suicidou-se em 1938, em Viena, atirando-se à rua quando a SA ou a Gestapo estava a chegar a sua casa para o ir prender. As suas últimas palavras, segundo uma lenda de humor negro, foram: "Cuidado aí em baixo!"
Karl Lüger (1844-1910), político católico, populista, anti-liberal e anti-semita austríaco, cujas ideias influenciaram o jovem Hitler na sua estadia em Viena. Liberalismo era, então, sinónimo de poderio económico dos judeus. Lüger uniu posteriormente o seu Partido Anti-semita aos Cristãos Unidos, formando o Partido dos Socialistas Cristãos (ou Social-Cristão) que, à data da sua morte, era o partido dominante na Áustria. Lüger foi conselheiro municipal desde 1875 e burgomestre de Viena de 1897 até 1910, período em que Viena se tornou numa das mais belas cidades europeias e num modelo de administração municipal (redes de abastecimento de gás e electricidade, "cintura verde" de floresta e campos envolvendo grandes partes da cidade, nova rede de abastecimento de água, etc). O anti-semitismo de Lüger, segundo certos, destinava-se mais a caçar votos e a aumentar a influência da Igreja católica do que, propriamente, a justificar uma perseguição aos judeus. Foi um político muito popular e respeitado.
Adolf Hitler, vendedor ambulante de desenhos e pinturas. Ao que consta, Hitler não gostava muito de cafés. Segundo, porém, as memórias do actor Rudolf Forster (1884-1968), “o pintor Adolf Hitler era um sombrio personagem que tentava vender as suas pinturas aos clientes do Café Central, ninguém lhe prestando grande atenção”. O futuro Führer viveu pobremente em Viena de 1907 a 1913, num albergue para homens solteiros de relativo luxo, pois tinha banho quente e luz eléctrica.
Yossif Vissarionovitch Stalin, que teria jogado xadrez com Trotsky no Café Central em 1912 ou 1913. Se non è vero, è ben trovato. Num intervalo das suas numerosas prisões na Rússia dos Czares, Stalin esteve, de facto, em Viena, desde fins de Dezembro de 1912 até fins de Janeiro de 1913. Estamos, assim, em condições de imaginar a seguinte cena: Trotsky e Stalin a jogar xadrez no Café Central, com Hitler ao lado da mesa, de pé, a tentar vender-lhes uma aguarela, para pagar o quarto alugado no albergue da cidade... Teoricamente, isso pode muito bem ter acontecido em Janeiro de 1913, quando os três se encontravam realmente em Viena!
________________________________________________
Outros “cafés literários” de Viena:Café Frauenhuber. O mais velho café de Viena, frequentado já por Mozart e Beethoven, segundo a tradição.
Café Griensteidl. Estabelecido em 1847 na esquina da Michaelerplatz com a Herrengasse, foi o primeiro grande café literário de Viena. No fim do século, havia quem lhe chamasse "Café Grössenwahn" ou "Café Megalomania". Ali reunia o grupo literário Jung-Wien, "Jovem Viena", formado por Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannsthal, Hermann Bahr, Peter Altenberg, Karl Kraus, Felix Salten, etc., que alguns alcunhavam de "literatos de café". O Griensteidl cedeu a primazia ao Café Central quando, em 1897, teve de ser encerrado, para demolição do edifício e construção de um novo. Reabriu recentemente (1990), na esquina original, um café do mesmo nome.
Café Landtmann. Estabelecido em 1873, frequentado por artistas e políticos, era o café preferido de Freud, mas também lá iam Gustav Mahler, Peter Altenberg, Felix Salten e Emmerich Kálmán.
Café Museum. O preferido dos pintores, foi alcunhado de "Café Niilismo". Mantém ainda hoje a tradição de local frequentado por escritores e artistas.
Café Sperl. O preferido do compositor Franz Lehar e, dizem, de Hitler.
Café Herrenhof (do nome da rua Herrengasse). Abriu em 1918, roubando muita clientela ao vizinho Café Central. “Tudo o que era politicamente e eroticamente revolucionário foi para o novo café, as múmias ficaram no velho”, escreveu o poeta Anton Kuh. Também Hermann Broch, Elias Canetti e a romancista Vicki Baum eram clientes regulares. Decoração art nouveau. Fundado por um judeu de origem húngara, o Herrenhof entraria em decadência sob gestão "ariana", durante o regime nazi, não conseguindo no pós-guerra recuperar toda a sua clientela de artistas e escritores e acabando por fechar, ingloriamente, em 1961. Reabriu, ulteriormente, como um vulgar café sem chispa.
Café Diglas. Fundado em 1923.
Café Hawelka. Criado em 1939 no lugar que fora do Café Ludwig e, mais antigamente, do Je t'Aime Bar. Fechou durante a segunda guerra. Reabriu, intacto, em 1945. Quando o Café Herrenhof encerrou em 1961, o Hawelka herdou parte da sua clientela, sucedendo-lhe, assim, como o principal café literário de Viena.
Em 1900, Viena tinha cerca de 600 cafés. Muitos foram fechados após a I Guerra Mundial, bastantes transformados em bancos. Alguns voltaram a abrir nos mesmo locais, depois de falidos os bancos. O nazismo e a II Guerra voltaram a encerrar um grande número. Viena é hoje, novamente, uma cidade de muitos e belos cafés: 1500, segundo leio. Viena defende e ressuscita os seus cafés, servindo de exemplo para as cidades que os desprezam e fecham.
© Texto de José Barreto.